Esta edição do projeto que aconteceu na Casa do Hip Hop em Diadema, foi
planejada no mesmo horário da oficina de graffiti realizada no espaço por
Felipe Tenório para que assim pudéssemos juntar entre os presentes, tanto os oficinandos
quanto pessoas ligadas a outras áreas de atuação. Assim, entre os 19 participantes
contamos com pessoas ligadas às artes plásticas, música, poesia, filosofia,
arte educação e produção cultural, juntando iniciantes e produtores de longa data.
Após assistirmos Lixo Extraordinário (ver mais informações do vídeo na
postagem anterior), cada presente fez uma auto apresentação e pontuou alguns
destaques que chamaram a atenção no filme. Em seguida abrimos para o bate-papo
livre onde chegamos a reflexões e questionamentos como descrito abaixo:
A arte com seu poder de provocação para o despertar da auto estima foi
notada através de relatos de alguns dos personagens envolvido no projeto de Vik
Muniz. Arte como atividade que proporciona enxergar a própria realidade a
partir de outros pontos de vista; sonhar, idealizar e agir na direção do que
sem tem como objetivo de vida.
Estas questões de autoestima e idealização de novas possibilidades além
da realidade vivida são tidas como elementos transformadores. Estas
transformações são recíprocas entre artista e público, tendo a arte como
elemento que colocou em contato pessoas com realidades distintas para trocarem
experiências, conviverem umas com as outras chocando visões de mundo.
Logo constatamos que um dos méritos apresentados pelo filme são os
indivíduos provocadores das ações que possibilitam a expansão humana; seja Vik
Muniz com seu projeto artístico que não só usou como “modelos” os trabalhadores
locais como os incluiu no processo de feitura e apreciação da arte, usando seus
meios públicos para dar visibilidade a quem não tinha; seja Tião com seu
movimento de criar e desenvolver a associação (ACAMJG) a fim de possibilitar a
organização do trabalho de forma a beneficiar os envolvidos de forma coletiva;
seja Zumbi com a organização da biblioteca comunitária possibilitando um ponto
de leitura considerando o acesso aos livros como fundamental no desenvolvimento
pessoal e local.
Já a partir de comentários a respeito dos desdobramentos que o projeto
de Vik Muniz causou na vida de participantes como Tião, que participou de
campanha publicitária da maior empresa de refrigerantes do mundo, e Isis que
após o filme esteve presente em programas de TV, refletimos sobre o que é a tão
citada mudança de vida que proporciona felicidade, estado humano tão almejado.
Lógico que sair da pobreza e enriquecer financeiramente muda a vida da
pessoa em questão, como o caso do próprio artista em questão e sua historia de
vida. Mas tal mudança é viável como “sorte” de alguns poucos ou esta
“felicidade” é possível para todos?
A dignidade apresentada pelos trabalhadores do Jardim Gramacho tratando
suas funções e estilo de vida não pode ser avaliado como padrão para felicidade,
afinal ter orgulho de si e da importância do papel desenvolvido na sociedade
não pode ser comparado a conformidade perante a pobreza material, falta de
recursos básicos para viver dignamente, afinal estas questões são determinantes
na perspectiva de vida dos seres humanos; comer bem, dormir bem, acesso a saúde
e educação de boa qualidade, tempo cotidiano para o lazer e desenvolvimento
intelectual, além do trabalho.
Porque uns tem tanto a ponto de pagar R$ 100 000,00 reais por uma obra
de arte e outros comem o que encontram no lixo? Estruturalmente na sociedade, este
projeto artístico não provoca nenhuma reflexão sobre as raízes da questão, visto
que só alimenta o processo de exploração sob a fachada de “modificar vidas”. Afinal
o dinheiro da compra de cada obra é o mesmo acumulado através da exploração da
maioria do povo, sendo uma parte ínfima perante tudo que acumulam.
Sem a ilusão de que a arte mudará o mundo, posto que as relações
econômicas determinam a organização social, refletimos sobre a função da arte
citando alguns autores como Leandro konder¹ e Ernst Fischer², além da ideia
representada pelo ideograma africano Sankofa³. Arte como educadora dos sentidos
humanos, mostrando o mundo a fim de entender seu processo histórico e suas
possibilidades, de forma a humanizar despertando a consciência da realidade
vivida e desejo de transformação desta. Neste sentido o filme tem seus méritos,
ou ao invés da arte terá sido o investimento financeiro que proporcionou
viagens e trabalho em melhores condições que contribuiu para o despertar deste
desejo naquela minoria de catadores?
Por vias gerais, novamente se identifica o capitalismo como o sistema
de produção e o condicionador de “corações e mentes”4 que provoca os
diversos problemas sociais vividos por nós. Embora este não tenha uma face a
qual identificamos como inimigo e na maioria das vezes o ódio gerado por ele é
derramado em quem está mais próximo, identificamos um dos principais
“responsáveis”. Neste caso a publicidade e propaganda de bens e serviços de
consumo é o principal braço do capital que determina a economia de mercado e a
sociedade de massa. Hoje, a utilização da internet como ferramenta na busca e
compartilhamento de informações de conteúdo a parte deste mercado é fundamental
como alternativa. Mas caímos na “liberdade abstrata”; estar livre sem saber o
que é isso e como exercer esta liberdade. Para isso, a organização de grupos de
estudo, reuniões e debates como o Cine Ideia, por exemplo, são fundamentais
para a troca e provocação de temas a serem aprofundados posteriormente,
inclusive na própria rede. Ou seja, o aprendizado pela convivência com iguais e
não a educação para o consumo proposto pelos grandes meios de comunicação.
Identificando que um dos males provocados pelo capital é o
distanciamento entre as pessoas, seja nas relações pessoais como bem cita Frei
Beto4, ou a distancia geográfica como mostra a também citada no bate-papo,
Raquel Rolnik5 , e perante a ânsia de atitudes que possam contribuir
com alguma mudança de mundo almejada identificamos que a solidariedade e a
busca pela eliminação de preconceitos pejorativos são caminhos a serem
trilhados. Bem como combater cotidianamente em si próprio o egoísmo, o
consumismo, o espírito competitivo com ambições materiais e status social.
No final, sobre questionamentos sobre nosso poder de mudar o mundo
lembramos das expressões:
“A gente muda o mundo com a mudança da mente”6 e “99 não é
100”7.
1 - Leandro konder é autor do livro Marxismo e Alienação.
2 - Ernst Fischer é autor do livro A Necessidade da Arte.
5 - Raquel Rolnik no Livro O Que é Cidade
7 - Valter, trabalhador do Jardim Gramacho apresentado no filme.
*Todos os autores aqui apresentados foram citados no debate.